domingo, 25 de fevereiro de 2018

Composto em Foco #1: Olimpiceno


   Os Jogos Olímpicos de Inverso de PyeongChang 2018 terminaram hoje com muita festa e alegria, deixando sua marca na história como jogos da união, esperança e conquistas. Particularmente, foi o primeiro ano que consegui acompanhar melhor esses jogos, pois o horário das disputas combinou com minha rotina. Assisti grande parte das competições com entusiasmo, apesar da insistente tendência dos comentaristas brasileiros tentarem forçar uma comparação entre as modalidades de inverno e o futebol. Essa comparação me deixou incomodado inicialmente, porém, depois de algum tempo, comecei a notar como essa analogia poderia ser útil. Partindo desse contexto, decidi explorar a similaridade entre os jogos de inverno e alguns aspectos do mundo da química atual, com especial interesse na síntese de uma substância que é a cara dos jogos olímpicos: o olimpiceno.

   Existe algo de especial no esporte. Seja no ato de praticá-lo ou através de sua apreciação. O desafio da superação é instigante e sedutor. Ver atletas de praticamente todos os lugares do mundo se esforçando para ultrapassar seus próprios limites é algo que pode nos motivar a superar nossos próprios limites. O treinamento, o esforços e sacrifícios são fundamentais para conquistar esses objetivos. Do mesmo modo, a estratégia é uma peça fundamental. Os atletas e suas equipes trabalham em conjunto para descobrir como chegar mais rápido, como voar mais alto, como surpreender.

 Paralelamente, os químicos também buscam superação. Utilizam seus conhecimentos e trabalham em conjunto para desenvolver ainda mais essa ciência. Seus esforços visam a obtenção de produtos que melhorem a qualidade de vida das pessoas, diminuam o desperdício e aumentem sua eficiência.

  O olimpiceno é um composto químico orgânico idealizado em meados de 2010 como forma de celebrar os Jogos Olímpicos de 2012 em Londres (história interessante para ler na referência 2). Na época, houve uma "competição" no mundo da química para obtenção desse composto. Com um resultado positivo, no ano de 2012, o grupo de pesquisa do Professor David Fox, da Universidade de Warwick (UK), sintetizou o composto benzo[cd]pireno (nosso olimpiceno), gerando uma das imagens mais icônicas desse campo de pesquisa, através de microscopia de força atômica (AFM). 

Imagem obtida por AFM do olimpiceno

  O olimpiceno apresenta um sistema pi com 18 elétrons e é uma molécula plana, caracterizando um composto aromático. Porém, devemos levar em consideração que o anel central possui um grupo metilênico, sendo o único não aromático. Ao observar a disposição de seus anéis, percebemos a semelhança com o simbolo dos jogos olímpicos. Porém, além desse apelo publicitário (não posso deixar de lembrar que agora temos um carro voando pelo espaço...), existe uma grande importância na síntese desses compostos aromáticos fundidos, especialmente na área dos novos materiais e eletrônica. 


  Embora apresente uma estrutura relativamente simples, a obtenção do primeiro exemplar do olimpiceno pelo grupo do professor David foi uma tarefa árdua. Para preparação dessa molécula foram necessárias sete etapas reacionais. Esse número de etapas pode não parecer tão grande (meus próprios compostos finais do doutorado necessitam de oito etapas para obtenção), mas representa uma grande vitória para química.

  Assim como nos jogos olímpicos, a ciência nunca para de te tentar superar desafios. É nesse contexto que a história do olimpiceno tem uma reviravolta e alcança um novo recorde. No início do mês de Fevereiro foi publicada uma comunicação na revista Angewandte Chemie com uma nova  estratégia para obtenção de moléculas com anéis aromáticos fundidos. O grupo da Flórida, liderado pelo professor Igor V. Alabugin, conseguiu obter um derivado substituído do olimpiceno em surpreendentes duas etapas.

  A etapa chave da síntese consistiu em uma ciclização radicalar intramolecular, seguida de uma hidrólise ácida, conforme o esquema abaixo. 


  Além da obtenção do composto olimpiceno, a estratégia proposta pelo grupo pode ser utilizada para preparação de versáteis moléculas poliaromáticas em poucas etapas, marcando mais um passo na pesquisa e desenvolvimento de novos materiais.

  Desde a idealização de sua estrutura até o aperfeiçoamento e variação das metodologias de obtenção, o olimpiceno vem se mostrando não apenas um símbolo para os jogos olímpicos, mas também para o desenvolvimento da ciência química.

Referências 

1. http://www.chemconnector.com/2012/03/14/step-by-step-to-the-synthesis-of-olympicene/

2. http://www.chemconnector.com/2012/05/27/the-story-of-olympicene-from-concept-to-completion/

3. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/chem.201404877/abstract?wol1URL=/doi/10.1002/chem.201404877/abstract&regionCode=BR-RS&identityKey=5fa9b755-c84a-46b1-b8b4-c1431e2e4bee

4. https://www.sciencedaily.com/releases/2018/02/180220143511.htm

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