domingo, 16 de outubro de 2016

Nobel de Química 2016 - As Menores Máquinas do Mundo


   O Prêmio Nobel de Química 2016 foi atribuído conjuntamente a Jean-Pierre Sauvage (Universidade de Estrasburgo, Estrasburgo, França), Sir J. Fraser Stoddart (Northwestern University, Evanston, IL, EUA) e Bernard L. Feringa (Universidade de Groningen, Groningen, Holanda) "pela a concepção e síntese de máquinas moleculares".

   Mas o que essas pequenas máquinas tem de tão especial, além, é claro de ajudarem em pequenos trabalhos? O que são máquinas moleculares? Da onde elas vieram? Para onde vão?

   Essa história pode começar a ser contada a partir do final dos anos 50, quando o renomado cientista Richard Feynman (Prêmio Nobel de Física de 1965) fez sua palestra de encerramento do Encontro da Sociedade Americana de Física, intitulada: There's plenty of room at the bottom (Há muito espaço lá embaixo, tradução própria). Nessa apresentação, Feynman discutiu sobre a possibilidade de, em um futuro próximo, a humanidade chegar ao ponto de conseguir manipular a matéria em uma escala atômica, organizando átomos como peças de um quebra-cabeça minúsculo. A repercussão dessas ideias, pelo menos entre seus pares da época, foi a de uma utopia distante, algo não muito concreto. Hoje em dia, essa palestra é muitas vezes relatada como o prenúncio da nanotecnologia, termo criado cerca de quinze anos depois.
   De fato, os últimos vinte e cinco anos apresentaram um rápido avanço da nanotecnologia, onde as pesquisas envolvendo as máquinas moleculares encontram-se. Em especial, o grande crescimento nessa área de pesquisa se deve aos enormes avanços nas técnicas de Síntese Orgânica, Instrumentação Analítica e, em grande peso, a criatividade, engenhosidade e dinheiro de pesquisadores.

   O que são essas Máquinas Moleculares?


   Elas nada mais são do que um número discreto de componentes moleculares que desempenham um movimento mecânico (output) em resposta a estímulos específicos (input).
   Um exemplo desse comportamento pode ser ilustrado com os Catenanos, um conjunto de macro anéis conectados entre si como elos de uma corrente. Na figura abaixo está uma estrutura de um catenano formado por dois macro anéis, fechados entre si e coordenados a um cation metálico de Cobre (Cu). Quando o cation é oxidado/reduzido ocorre uma rotação de um dos anéis em relação ao outro.

Figura 1. Movimento Eletroquimicamente Controlado em um Catenano
   De modo geral, podemos classificar as máquinas moleculares em dois grandes grupos: sintéticas (como o catenano da figura acima) e biológicas (como os ribossomos!).
   Dentro do grupo das máquinas moleculares sintéticas, podemos ter as subdivisões de acordo com o tipo de trabalho que realizam (sensor, "armadilha" de íons, motor molecular, etc) ou conforme sua arquitetura (Rotaxanos, Nó Molecular, Anéis Moleculares de Borromean e Catenanos).

Figura 2. Exemplos de arquiteturas encontradas em máquinas moleculares (tradução própria).
   Além dessas classificações, podemos dividir as máquinas de acordo com sua "fonte de alimentação" (o input que gera o movimento), sendo as mais comuns: variação de pH, reações REDOX, irradiação UV. 

Os ganhadores do prêmio


   A contribuição dos três laureados pelo Nobel de Química de 2016 está em seu papel no desenvolvimento de novos compostos, o estudo de suas propriedades e a busca por soluções de problemas e avanço científico e tecnológico.
   Em primeiro lugar, cabe destacar o artigo Une Nouvelle Famille de Molecules : Les Metallo-Catenanes (1983 - Link), onde Sauvage propõe sua metodologia para síntese de metalo-catenanos (composto similar ao da Figura 1). É interessante notar a relação d conexão entre as moléculas do catenano: entre os dois macro anéis não existe uma ligação covalente, eles estão ancorados um ao outro de modo mecânico, como cadeado fechado. Essa "ligação mecânica" é um dos requesitos para confecção das máquinas moleculares.
   Stoddart, professor da Universidade Northwestern (EUA), em 1991, conseguiu desenvolver um rotaxano, cuja arquitetura molecular é similar a um anel preso no interior de um haltere de ginástica. Ele conseguiu demonstrar que o anel conseguia mover-se através do eixo molecular, simulando o comportamento muscular de contração/relaxamento (Figura 3).

Figura 3. Proposta de mecanismo de funcionamento do aparelho (http://pubs.acs.org/doi/abs/10.1021/ja051088p).
   A Feringa coube o papel de desenvolver um motor molecular e, em 2011, o mais importante, desenvolveu o menor veículo em quatro rodas do mundo! Trata-se de uma estrutura policíclica conectada por um eixo linear molecular. Os quatro "braços" funcionam como as rodas do carro. Sobre uma superfície metálica carregada, ocorre um processo de isomerização, que altera a estrutura do material, fazendo-o locomover-se sobre a "estrada".

Figura 4. Estrutura molecular e mecanismo de funcionamento do nanocarro (Link)

Qual a importância dessas ferramentas?


   É óbvio que o principal destaque dessa tecnologia é a capacidade de miniaturização desses sistemas, que chegam a possuir um diâmetro 1000 vezes menor que um fio de cabelo, recordando o impacto da invenção do microchip. Além disso, a partir dessas máquinas existe a possibilidade da criação de sofisticados nanorobôs e a confecção de mais materiais inteligentes, com potencial aplicação na área medicinal e de informática. 




   As Menores Máquinas do Mundo ainda possuem muito trabalho a fazer e, pelos "pequenos" trabalhos que já têm feito, elas merecem o destaque da premiação desse ano.
   Para terminar esse primeiro post, trago um Vídeo do Canal Reactions, que explica um pouco mais sobre o assunto. Para aquelas pessoas que não possuem conhecimento da língua inglesa, o vídeo mostra animações sobre o funcionamento das máquinas:



Referências


https://www.nobelprize.org/nobel_prizes/chemistry/laureates/2016/
http://www.cienciahoje.org.br/noticia/v/ler/id/3018/n/feynman,_o_profeta_da_nanotecnologia
https://en.wikipedia.org/wiki/Molecular_machine
https://www.scientificamerican.com/article/molecular-machine-makers-grab-the-2016-nobel-prize-in-chemistry1/
https://www.nobelprize.org/nobel_prizes/chemistry/laureates/2016/advanced-chemistryprize2016.pdf
https://www.nobelprize.org/nobel_prizes/chemistry/laureates/2016/popular-chemistryprize2016.pdf
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/05/ciencia/1475660117_464770.html